terça-feira, 16 de julho de 2013

Depois do jogo o envelope com o “bicho” está lá


Calotes, mentiras e atrasos: profissionais preferem a várzea para receber em dia




Luizinho tem 29 anos e poderia estar defendendo um time profissional. Mas está jogando no futebol de várzea de São Paulo. Decisão errada? Você diz isso porque só olha para o sucesso das estrelas dos times da primeira divisão. Amplie um pouco o foco de visão.

Pergunte para quem já passou por times de divisões menores. Fale com quem já jogou em times do interior do país. Você vai descobrir que o cenário amplo do futebol não é milionário como aquele da TV. “Rodei muito pelo interior. E é sempre a mesma coisa. Você joga três meses. Recebe só um. E o dinheiro não cai mais”, conta Luizinho.

Na várzea, não. O dinheiro é menor, o jogador não tem vínculo empregatício, mas depois de todos os jogos o envelope com o bicho está lá. É sagrado. “Você não recebe tão bem. Os valores são menores. Mas recebe sempre. Estou há três anos na várzea. E sempre recebi em dia”, conta o atacante.

Com toque refinado e grande visão de jogo, o motoboy Rafael da Silva Nascimento assume o papel de maestro. Rafinha é o camisa 10 do Internacional do Moinho Velho, que, como o Inter do Jaraguá, também já deu adeus à Copa Kaiser. E, como Bill e Luizinho, já tropeçou no futebol profissional.

Aos 27 anos, já tentou a sorte no futebol profissional. Tinha 23 anos, assinou um contrato com o CATS, o Taboão da Serra, mas nada deu certo. “Infelizmente, não pude trabalhar com pessoas sérias. Foram muitas promessas e pouca coisa foi cumprida. Fiquei sem receber e tive de desistir. Precisa pagar as contas. Virei motoboy, mas ainda sonho em viver do futebol. Se Deus quiser, ainda dá tempo”, fala o jogador.

O caso é parecido com o do atacante Macedo, artilheiro da Kaiser no ano passado. Jogador do Cantareira, de Heliópolis, ele é profissional da várzea, defende três, quatro equipes por fim de semana. Construiu casa, comprou moto, tudo com o dinheiro do futebol amador. Algo que o futebol profissional não permitiu.

Quando tinha 18 anos, Macedo se submeteu a uma bateria de testes no Juventus, da Móoca, um dos times mais tradicionais da cidade. “Fiz seis peneiras. Fui aprovado. Mas quando ia ser profissionalizado, o técnico foi demitido. Quando chegou o novo treinador, mandou todo mundo embora. Eu também. Foi uma desilusão muito grande”.

E não são só os brasileiros que sofrem com as incertezas do futebol nacional. No Ajax, da Vila Rica, por exemplo, dois nigerianos estão provando que é possível viver do futebol amador no País do Futebol. Fred Odebe e Daniel Eze chegaram ao país para jogar bola, mas acabaram esquecidos.

O primeiro é zagueiro e já defendeu até mesmo a seleção do país. Chegou para vestir a camisa do Grêmio Barueri, justamente nos anos das mudanças de sede – o time foi para Presidente Prudente e depois voltou para a grande São Paulo entre 2010 e 2011. Acabou esquecido pelos empresários que o trouxeram para o país e hoje joga no Ajax, da Vila Rica.

O segundo é centroavante. Jogou nas categorias de base do Hertha Berlin, mas problemas de documentação o mandaram para São Paulo. Fez testes na Ponte Preta, no Flamengo de Guarulhos. Acabou aprovado no Bahia de Feira de Santana. Então, veio a lesão no joelho esquerdo. E, como Fred, foi esquecido por quem o trouxe ao Brasil.

Teve, inclusive, de operar o joelho pelo SUS, já que não tinha vínculo com nenhuma equipe para bancar o procedimento, nem apoio de um empresário para arcar com os custos. Recuperado, é um dos destaques do Ajax. Os dois, aliás, foram campeões da Copa Kaiser do ano passado. “É como se fosse um título profissional. Eu não consegui virar profissional na Europa e em alguns lugares do Brasil, mas tenho orgulho de dizer que sou profissional da várzea agora", disse o atacante.

Fonte: UOL

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